segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A arte de mentira de Platão



O mais fascinante na filosofia é que ideias e conceitos, ainda que milenares, podem sempre ser aplicados à vida de hoje. Muito do patrimônio cultural deixado pelos antigos mestres permanecem atuais. Às vezes, certas teorias fazem mais sentido agora do que quando foram desenvolvidas.

Pode-se, por exemplo, aplicar a famosa “Alegoria da Caverna”, criada por Platão, à vida moderna, onde a maioria das pessoas vive acorrentada em um mundo de sombras selecionadas pela mídia e pela indústria do entretenimento.

Com isso, poderíamos nos juntar aos detratores da manipulação da informação e da cultura de massa, e aos defensores da arte verdadeira, aquela capaz de elevar o espírito e proporcionar o crescimento do homem, em direção a um mundo melhor.  

Analogia perfeita, exceto por um problema. O pensamento estético de Platão oscila todo o tempo entre a valorização e a desvalorização da arte, pendendo sensivelmente para a segunda. Platão afirma, em um dado momento, ao idealizar sua “República”, que as artes, independentemente de critérios qualitativos, deveriam ser banidas da sociedade ideal, em especial a poesia, por serem elas capazes de gerar ilusões, e assim, desviar o homem da verdade pura. Ilustrando melhor: toda arte fala aos sentidos, e, por isso, mantém os homens nas sombras, entre cópias falhas e incompletas, formas e cores imperfeitas. A arte é a cópia da cópia. Como saber se o verde que enxergo corresponde à essência da cor, ou ainda, se ele é tão forte ou vibrante quanto o verde que você enxerga?

Ironicamente, milhares de pessoas acordaram para os pensamentos de Platão após experienciar Matrix. Nessa linha, poderíamos argumentar que a própria parábola da caverna é uma manifestação artística, uma narrativa criada para envolver os sentidos de quem a ouve.

Tantas contradições contribuem apenas para avivar perguntas cada vez mais pertinentes aos dias de hoje. O que é a verdade absoluta? Tal coisa existe, realmente? Podemos apreender algo por outro meio que não os sentidos? Se sim, como desligar, então, conceitos e ideias da subjetividade, isolá-los da experiência humana, terrena, inevitavelmente incompleta?

Há quem ache impossível. Aristóteles já o achava, ainda na antiguidade clássica. E há quem ache que ainda é cedo. Talvez o próprio Platão dissesse, hoje, que mais de dois milênios podem ser muito pouco para, enfim, sermos capazes de vislumbrar o imutável e perfeito mundo ideal organizado por seu Demiurgo.

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