quarta-feira, 2 de março de 2011

A Guerra da Arte: Táticas para o autor-general - Parte I

Sun Tzu foi um comandante chinês que, ao longo da vida, acumulou inúmeras vitórias graças à sua astúcia aguçada, sua disciplina e ao seu descomunal poder de liderança. Apenas por essas vitórias, ele já teria passado para a História como um grande filósofo-estrategista. Mas ele fez mais do que isso. Escreveu “A Arte da Guerra”, uma coleção de pensamentos decorrentes de suas experiências em situação de combate.

Podemos facilmente compreender que qualquer guerra depende, inevitavelmente, de estratégias, planejamentos, cálculos de riscos, uso inteligente de recursos, confrontos diretos ou indiretos com forças contrárias... assim como quase tudo de importante que se pretenda realizar na vida. Por isso, os escritos de Sun Tzu, hoje em dia, possuem uma aplicabilidade tão ampla que chegam a ser utilizados como base para o desenvolvimento de programas de treinamento esportivo, análises de modelos empresariais e até mesmo reflexões sobre relacionamentos.

Como “estamos no campo da história como no campo da linguagem ou do ser” (Merleau-Ponty), e se o próprio general chinês considera a guerra uma “arte”, vejamos se é possível, então, uma inversão de seu conceito. Imaginemos um escritor como um general de seus próprios personagens, atuando no campo de batalha que é o terreno vasto e incerto de sua imaginação, sob alguns dos princípios de Sun Tzu:

- Leva seu próprio material de guerra, mas também procura suprimentos no inimigo. Desta forma, o exército come o suficiente para atender às suas necessidades.

As referências são as maiores aliadas da inspiração. Uma boa pesquisa, em material ficcional ou não, pode enriquecer surpreendentemente a primeira ideia. O escritor nunca deve ter escrúpulos em, consciente ou inconscientemente, “procurar suprimentos no inimigo”, obviamente, respeitando-se os limites do que se caracterizaria como plágio. Aqui, há todo um post aprofundando melhor esse conceito. 

- Quando as circunstâncias favorecerem, deve-se modificar as estratégias.


Planejamento é algo essencial à maioria dos escritores. Quase sempre, o ato de se desenvolver uma narrativa fica muito mais fácil quando já se sabe aonde se quer chegar, bem como as etapas a serem cumpridas até lá. Porém, quando se faz arte, é comum o surgimento de novas possibilidades, tão logo iniciamos a etapa de execução. Como a escrita é um processo longo e constante, o escritor sempre corre o risco de ver o mundo que está desenvolvendo ganhar vida própria. Às vezes, um personagem adquire autonomia, conforme sua personalidade transforma-se em palavras, tornando-se mais complexo e importante para a trama; às vezes, algo observado no dia a dia acaba fornecendo uma referência de última hora que exigirá certas alterações no texto já escrito. Cabe ao autor enxergar esses desvios como “circunstâncias favoráveis” ou não para, então, julgar se deve seguir através deles. 

- Toda guerra está baseada no engano.

Essa é, provavelmente, a afirmação mais conhecida de Sun Tzu, e a mais imprescindível delas.  Parafraseando-a, podemos dizer que toda obra narrativa consiste em estabelecer perguntas e, então, tentar respondê-las do modo mais criativo, surpreendente e interessante possível.

O “engano”, em uma história, pode ser entendido como o “conflito”. Aquele ou aquilo que acaba se opondo às vontades e objetivos do protagonista, que quase nunca sabe exatamente o que está acontecendo. Logo, parece sensato pensar que nenhuma trama realmente se move enquanto um “engano”, um “conflito” não é plenamente estabelecido. 

- Ou seja, quando possuímos condições para atacar, devemos parecer inativos; quando estamos perto, devemos dar a impressão de que estamos longe; quando longe, precisamos fingir que estamos próximos.

Ainda desenvolvendo o raciocínio, uma vez criado o conflito, o autor começa o exercício de “enganar” o leitor, da melhor maneira possível. Nada deveria ser entregue facilmente, arranjado em cima de clichês ou passagens inverossímeis de tal forma que destoe do universo onde se passa a trama. O segredo, aqui, está em deixar o leitor sempre um passo atrás, quebrando expectativas, fornecendo informações que só irão se tornar úteis mais adiante... É claro que se deve ter em mente que, às vezes, a concretização de algo já antecipado pelo leitor é algo desejável, mas o abuso de tal recurso em uma história corre o risco de gerar desinteresse. 

- Use a isca para atrair o inimigo. Finja desordem e esmague-o.


Aqui, estamos falando do Ponto de Crise. Nessa fase, situada, mais ou menos, a dois terços da narrativa, a solução dos problemas do protagonista parecem mais distantes do que nunca, tanto a ele quanto ao leitor. É onde o escritor “finge desordem”, antes de resolver a turbulência que criou. Sendo assim, deve-se esforçar ao máximo para que a transição do Ponto de Crise para o Clímax – o momento onde o protagonista enfrenta seu conflito de forma mais intensa e grandiosa – seja marcante ao ponto de originar um final memorável para a história.

- Quando começar a verdadeira luta, se a vitória demorar a chegar, os homens perderão o ânimo e ficarão sem paixão pela causa.


O escritor não deve ter pena das pessoas que cria. Quanto mais fracas elas se colocam perante uma situação, maior é a curva dramática e o suspense obtidos. Porém, o exagero costuma roubar a identificação do leitor com o personagem. Ele deve ganhar algo, de vez em quando. Principalmente, após passado um Ponto de Crise. Poucos autores possuem habilidade suficiente para dar vida a “perdedores totais” realmente carismáticos. 

Um comentário:

  1. Este livro é realmente brilhante e já foi (e continuará sendo) publicado por diversas editoras.
    O interessante dele é que a teoria da "guerra" se aplica a diferentes campos e assuntos, o que só o torna mais cativante.
    É a típica leitura que exige reflexão, algo cada vez mais escasso nos dias atuais.
    Até mais.

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