ATENÇÃO – CONTÉM SPOILERS!
Um jovem anti-herói recebe uma pista sobre o paradeiro de seu pai, vinte anos depois de seu desaparecimento, e acaba imerso em um mundo virtual governado por um programa obcecado pela perfeição, que deseja desesperadamente materializar-se no mundo real.
Quando “Tron: Uma Odisséia Eletrônica” foi lançado, os arcades eram uma febre mundial. Os computadores e tudo relacionado a eles eram tratados com deferência e cerimônia. Programar era uma arte oculta e impossível a meros mortais. Os usuários, uma elite, em posição privilegiada na vanguarda tecnológica. O mundo era alguma outra coisa, bem diferente.
Sendo assim, é preciso estabelecer alguns pontos, antes de continuarmos. Se a trama iniciada com o primeiro “Tron” não é assim tão original, vista com olhos de hoje, experimentados por Matrix e afins, nos anos 80 era, e muito. Talvez, aí esteja a única grande diferença entre os dois. Roteiro, atuações e visual seguem os mesmos padrões e características, seja isso bom ou mau.
Falando em visual, uma única palavra o define muito bem: neon. Muito neon, contra o negro céu relampejante. Assim é o cenário que se desdobra em todas as direções durante quase a totalidade do filme. Tanto neon assim deixou alguns efeitos colaterais: o brilho do alaranjado escuro lembra muito o império de Star Wars – não por acaso é a cor dos vilões – os outros, Blade Runner. Não que isso fosse humanamente evitável (veja aqui uma excelente explicação para o uso das cores no universo do fillme).
Aliás, a saga de George Lucas vem à mente até em outros momentos, como quando o “garoto novo” assume o lugar de artilheiro na nave em fuga, ou quando Obi, ou melhor, Kevin flynn, surge retumbante em seu manto esvoaçante em meio à luta na boate de Zeus. Voluntárias ou não, tais citações são divertidas e, quando surgem, até motivam um cutucão em seu amigo nerd.
A Trilha sonora, a cargo do Daft Punk, é, para Tron, o que os temas de Vangelis foram para Blade Runner, guardadas as proporções, obviamente. Pode-se dizer, facilmente, que a música concebida pela dupla é um dos personagens do filme, um dos mais importantes, aliás. Quanta sincronia com as imagens, quantos detalhes… Como tamanha dinâmica, profundidade e emoção podem ser expressas por máquinas eletrônicas, por enquanto, insensíveis e ainda obedientes às talentosas mãos humanas de seus programadores?
Ainda em se tratando de música, permanece na memória a cena luminosa na qual a banda Journey faz vibrar a poeira do velho fliperama, seus sintetizadores encontrando perfeita ressonância com o clima imposto pelo filme, dali em diante. Uma honrosa saudação dos queridos anos oitenta aos trintões que batem no peito para dizer aos mais jovens, entre um suspiro e outro, que viveram a melhor fase da vida na melhor década de todas. Worlds apart, infelizmente.
Após esse momento, as máquinas virtuais começaram seu desfile portentoso e impecável, pontuado por grunhidos e rugidos intensos, enquanto o grande vilão, Clu 2.0, plastificado virtualmente, balançava perigosamente na fronteira entre o feio e o assustador. Assim como em muitos momentos do Tron original, nesse caso, as limitações técnicas são absolvidas em nome de uma certa licença poética. Afinal, o personagem não é feito de carne e osso, mesmo. Por outro lado, pode-se questionar a performance caricata e o visual à David Bowie de Zeus-Aladdin Sane.
É importante lembrar que toda a referência visual e conceitual do primeiro Tron veio das restrições tecnológicas da época e da relação que a sociedade ainda ensaiava, frente aos misteriosos computadores. Muita coisa mudou, entre um filme e outro. Apesar da evolução providencial que vende bem a idéia de um cenário virtual, porém atual e vivo para o público de hoje, o filme fica um tanto melhor se o expectador não comparar a árida e negra paisagem digital do mundo governado por Clu às interfaces amigáveis e iluminadas com as quais interagimos diariamente. Também ajuda não pensar que grande parte dos temidos e veneráveis usuários está, hoje, entre os típicos freqüentadores de Lan Houses em países subdesenvolvidos, digladiando-se com o Farmville ou expondo suas sandices em redes sociais. Sorte de Kevin Flynn, que virou neon em pó sem fazer a menor ideia de como as coisas estão aqui fora.
Faltou alguma coisa? Faltou. O público fica sem conhecer muitos aspectos do funcionamento daquele universo tão bonito e bem feito. Certas metáforas poderiam ter sido realizadas, certos elementos virtuais poderiam ter sido melhor associados com o que vemos do lado de cá da tela.
Apesar de tudo isso, após o inflamado discurso do vilão, o jovem anti-herói acaba conseguindo se redimir e voltar para casa com seu elixir. Ainda bem. Até mesmo a ideia de outra sequência, tão descaradamente proposta antes dos créditos subirem, chega a ser vista com bons olhos. Talvez, sem a necessidade de tantas explicações e flashbacks, Sam encontre nela o espaço que ainda não teve para se desenvolver como personagem.
E qual é o legado do Tron original, afinal? Fácil. O Tron dos anos 80 foi aquele que “desvendou” para ingênuos olhos infantis o universo oculto nas entranhas de um computador. Foi um combustível e tanto para a imaginação de muitos moleques que passaram a enxergar motocicletas onde antes só havia um ou dois pixels coloridos. Se essa nova incursão pelo mundo de neon da Disney fizer o mesmo pelas crianças e adolescentes da década de 10, está ótimo.
Muito interessante suas observações e ligações que faz com os dois filmes de Tron. Em especial, a forma com que você aborda a trilha sonora do filme em questão com outro filme já consagrado.
ResponderExcluirIncrível!!! Eu vi o filme,, eu mesmo fiz uma resenha, mas ela não chega aos pés da sua!
ResponderExcluirO único momento que minha resenha se equipara à sua é na importância da dupla Daft Punk, mas foi com a sua ajuda que eu associei o novo ao antigo Tron