"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência - e do mesmo modo essa aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!" Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse; a pergunta, diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre teu agir! Ou, então, com terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"
Nietzsche - A Gaia Ciência (1978: 208)
Reflita por um instante: Sua vida, até o dia de hoje, lhe é satisfatória o suficiente? Você aceitaria, de bom grado, o desafio do demônio de Nietzsche? Viveria, com alegria e entusiasmo, essa sua mesma vida, “ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?”
O conceito do eterno retorno é visto pelo próprio Nietzsche como um de seus pensamentos mais aterradores. Porém, por mais soturnas que tais perguntas, em princípio, possam soar, pode-se dizer que elas guardam em si a sólida visão ética de seu autor, para quem o homem é e será o juiz de sua própria existência, e deve estar atento às suas decisões, que, uma vez tomadas, valem para todo o sempre.
Nesse sentido, ele afirma que não se pode crescer sem que se tenha vencido medos e escalado declives. Somente a consciência de quem é, o que quer e o que pode fazer perante seu destino empurra o homem para cada vez mais longe de seus limites, da mediocridade tentadora e das preocupações e superstições inúteis de uma sociedade envenenada. Livre de todo o peso estéril, o homem que passa pela vida como um dançarino, um jogador, um aventureiro que acena afirmativamente e com segurança para o porvir, não conhecerá arrependimentos.
Se esse inusitado demônio corre o risco ou não de surgir diante de qualquer um de nós, realmente não importa. O importante é, através desse exercício especulativo, redescobrirmos, o quanto antes, o valor do tempo que nos cabe e o peso enorme das minúsculas coisas que fazem parte de nossa preciosa eternidade cotidiana.
Os homens não têm de fugir à vida como os pessimistas, mas como alegres convivas de um banquete que desejam suas taças novamente cheias, dirão à vida: uma vez mais”.
Nietzsche
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